Existe uma prisão cujas grades são invisíveis, forjadas não em ferro, mas em dependência financeira. É a masmorra silenciosa que aprisiona inúmeras mulheres a um ciclo de violência doméstica, onde o medo de partir é acorrentado à impossibilidade de se sustentar. Em 2021, a Câmara Municipal de Jaraguá do Sul forjou uma chave para esta cela, uma legislação que criou o Regime Especial de Contratação de Mulheres Vítimas de Violência Doméstica.
De autoria da vereadora Nina Santin Camello (legislatura 2021-2024), o projeto de lei nº 65/2021, aprovado naquele ano, nasceu de uma constatação dolorosa: a submissão econômica é, frequentemente, o combustível que alimenta a agressão no lar. A mulher que não possui renda própria, que depende inteiramente do parceiro para sobreviver, encontra-se em uma teia de vulnerabilidade onde denunciar parece um abismo, não uma saída. A ausência de um trabalho formal aniquila não apenas a autonomia, mas a própria força para o recomeço.
A lei, em sua arquitetura, construiu uma ponte para a liberdade. Ela determina que o Sistema Nacional de Emprego (SINE) de Jaraguá do Sul destine, mensalmente, 10% de suas vagas para encaminhar a entrevistas de emprego mulheres amparadas por este regime especial.
Após registrar um boletim de ocorrência, a mulher é acolhida no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Ali, com o devido acompanhamento técnico e psicossocial, ela é integrada ao programa. O mais crucial, no entanto, é o selo do sigilo: as empresas que recebem as candidatas para as entrevistas não são informadas sobre a condição de vítima de violência. A mulher não é rotulada pela sua dor, mas avaliada por sua competência. A vaga é uma oportunidade, não um ato de caridade.
Quatro anos após sua sanção, o impacto desta legislação reverbera com ainda mais força. Neste mês de agosto de 2025, a Câmara Municipal a elegeu como uma das peças centrais de sua campanha “Agosto Lilás”, um período de intensa conscientização pela proteção dos direitos femininos.
De 5 a 15 de agosto, no Espaço Cultural Professor Dolcidio Menel, a lei do Regime Especial de Contratação é uma das estrelas da exposição “As leis de Jaraguá do Sul ao lado das mulheres”. Sua presença na mostra é um testemunho poderoso de que a luta contra a violência doméstica exige mais do que discursos e punições; exige a criação de caminhos concretos para a emancipação.
Ao revisitar esta lei, Jaraguá do Sul não apenas celebra uma conquista legislativa, mas reafirma um pacto com suas cidadãs. Um pacto que reconhece que um emprego pode ser o primeiro passo para fora do cativeiro, que a dignidade do trabalho restaura a autoestima ferida e que a autonomia financeira é, em sua mais pura essência, a chave que abre a porta para uma nova vida.
